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segunda-feira, 11 de setembro de 2023

SONHAR E FAZER ACONTECER

Educadora Cris Souza


E tudo começou assim. Eu era a menor e a mais magrinha de quatro irmãs. E a mais tímida das filhas de Dona Guiomar e de Seu Erasmo. Ele era mestre de obras e ela uma dona de casa polivalente. Enfermeira do povo, voluntária da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública - SUCAM, mãe, esposa e proprietária da única fonte do bairro, com água boa para beber. Cresci sempre solitária, apesar de ter uma família numerosa. Não tinha melhor amiga e nem grupos de amigos. Minha mãe achava que não precisávamos, já que éramos quatro irmãs e um irmão mais velho. Tínhamos cachorro, gato e até passarinhos. Um jardim imenso e um quintal cheio de árvores frutíferas. Lembro-me bem do abacateiro, mangueira, bananeira etc. Minha mãe devia ter suas razões para não permitir que fizéssemos amigos próximos. Tínhamos colegas de escola, somente. Eu vivia dentro dos livros. Comecei a ler pegando o livro Robson Crusoé, de minha mãe, às escondidas. É um romance escrito por Daniel Defoe e publicado originalmente em 1719 no Reino Unido. Ela guardava dentro de um baú antigo, de madeira. Como se ele fosse um tesouro precioso. Eu fecho os olhos e lembro bem das páginas amareladas e a capa dura. Adorava observar as personagens desenhadas em preto e branco. Eu não entendia o motivo, de minha mãe guarda-lo no baú.

Após muitos anos, minha irmã Neide Honorato me confessou que tinha sido presente da nossa avó Mariana Honorato, que era natural da cidade de Salgado, onde passamos todas as nossas férias escolares. Então entendi o zelo exagerado. Depois de aprender a ler, continuei explorando as revistas do Recruta Zero, do meu irmão. Ele as deixavam embaixo do colchão. E a partir daí nada mais passava por mim sem eu ler. Eu lia tudo e todos. Eu lia a vida e o mundo. Amadureci em tempo recorde. E as pessoas então começaram a falar que eu parecia uma “adulta”, com meus 10 anos de idade e isso me faz rir até hoje. Povo exagerado! Mas a menina alfabetizou as duas irmãs menores e os filhos dos vizinhos e até os próprios pais das crianças. Era aquela menininha que lia as receitas passadas pelos médicos e as bulas. Lia as notícias dos jornais, letreiros das lojas, placas das ruas e amava os livros didáticos, principalmente o livro de Português, com trechos de crônicas, matérias e poemas.  Acredito que surpreendi a todos quando resolvi somente estudar em vez de namorar. Enquanto as colegas namoravam, eu lia. Crescia intelectualmente, menos na altura, pois sempre fui a mais baixinha da turma. Minha companhia sempre foram os livros, porque eu tinha sonhos para realizar. Decidi que seria alguém com muitos diplomas. Alguém que pudesse fazer a diferença na vida do outro, orientando e mostrando as coisas boas da vida. Sempre quis levar alegria, conforto e esperança a quem necessitasse. Optei pelo magistério, já que a área da saúde não me atraía. Fiz três concursos e fui aprovada em todos. Fiz duas graduações e cinco pós-graduações. E então, escolhi ser Educadora e não somente uma professora. 

No meu entendimento a professora ensina os conteúdos programáticos e eu queria ensinar também para a vida. Lembro de alguém me dizendo que a mulher só tinha duas chances de se dar bem na vida: na hora de nascer e na hora de se casar. Ou seja, se nascesse em berço de ouro ou se casasse com um moço rico. Eu segui um terceiro caminho: estudei, preparei-me, prestei concursos e vivi livre e independente. Lembro também de escutar que por ser mulher preta e pobre não iria ser muita coisa. Pois é, muita coisa eu não fui. Nunca quis ser coisa. Eu só queria ser gente de bem. Então me casei, descasei, tenho três lindos filhos e um neto. Sou funcionária pública estadual e municipal, escritora e ativista cultural. Sou feliz surpreendendo as pessoas e tomando as rédeas do meu caminhar. As pedradas são muitas e daí? Muitas vezes me machucam, outras vezes consigo desviar. E quase sempre junto tudo e construo pontes, nunca muros. “Aquele que não luta para ter o futuro que quer, deve aceitar o futuro que vier”. E sigo fazendo como minha mãe, ajudando o próximo sempre que posso e construindo como meu pai, obras bem edificadas, cercadas de amigos verdadeiros e enfeitando o mundo de pedaços de mim, palavras potentes e versos livres cheios de afetos. Deus quer.

 

09/09/2022

Educadora Cris Souza


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